Quiromancia
Eu nunca fui muito fã de quiromancia... para mim era uma coisa que estava lá, sabe?
Eu nunca precisei de ciganas para me dizer que u vou morrer cedo. Eu sei que vou morrer cedo. Eu meio que já nasci de saco cheio da vida, e esse mundo material é para mim como que um buraco de gravidade intensa, no qual as coisas são muito mais lentas e trabalhosas, sabe?
O que me fascina nesse mundo são as pessoas. Pessoas maravilhosas que tenho o prazer de encontrar, pessoas por quem vale a pena fazer sacrifícios e permanecer indefinidamente.
Novamente, eu sinto uma tempestade se aproximando... e essa promete ser das grandes.
Eu também, desde criança, escuto dizer que sou diferente, e que estou destinada a ajudar a determinar o curso das coisas, mas eu também, desde que me entendo por gente, espero esses tempos de realização que não vêm. Eles estão algo distantes, através das nuvens, intangíveis como o cheiro de pão quente para uma pessoa faminta. Os pães estão sempre atrás de uma vidraça, ou dentro de uma padaria fechada. Posso apenas sentir o cheiro, mas continuo faminta como sempre.
Voltando à quiromancia, ela diz que eu terei um filho. Diz que minha vida é curta, e que sofrerei um acidente, muito provavelmente fatal. Mas não é só isso que ela diz...
Ela também diz que eu não tenho sorte, pois aparentemente existe uma linha só para isso, e essa linha é, em mim, tão tênue quanto um vento fresco no centro da cidade em pleno verão. Novamente, não creio que eu precisasse da quiromancia para me dizer isso. Tive uma infância solitária, quando tudo que eu queria era ter um amigo. Fui uma menina-prodígio, quando tudo que eu queria era que as pessoas se interessassem por mim enquanto pessoa, e não pelo que eu poderia fazer enquanto mico amestrado. Deixei de ser um prodígio, quando tudo o que as pessoas à minha volta queriam era que eu preenchesse as expectativas de grande sucesso... antes dos 18 anos. Se eu era feia, as pessoas sentiam pena de mim por isso. E se certificavam de compartilhar sua opinião com todos os que tivessem ouvidos, e de mostrar a todos que tivessem olhos. Se eu estava bem, sempre havia alguém para me lembrar de algum ponto obscuro que eu havia esquecido como era ruim. Se eu estava mal, não custava nada me lembrar que a situação sempre poderia ficar pior.
Genericamente, o maior símbolo da minha má-sorte foi a família onde eu caí. Se a situação está boa, eles fazem o favor de transformar sua vida num inferno, e se está ruim, eles a fazem pior E transformam sua vida num inferno.
Na construção do que eu sou hoje, faltou o contraponto de alguém que realmente me amasse, pura e simplesmente, sem segundas intenções. Essas pessoas chegaram tarde demais, e, por mais que eu pudesse restaurar um pouco da esperança que eu tinha nas pessoas, minha forma de agir estaria para sempre marcada conforme os moldes aprisionadores com os quais eu fui criada. Muitos de meus colegas reclamavam de negligência, mas eu sinceramente não sei se a negligência de um "sim, sim, meu filho, deixa eu ver televisão" seria realmente pior do que um "está ainda pior do que da última vez. Será que você não aprende??"
Às vezes tudo o que eu desejo é imergir entre as pessoas que amo. As pessoas maravilhosas que eu tenho hoje, e que morro de medo de perder. Imergir, como um bom caranguejo, e nunca mais botar os olhinhos para fora. Esquecer que um dia minha moradia foi entre os abutres, os lobos e os leões, e me aconchegar junto à minha própria matilha, dormir... e sonhar.
Eu disse para vocês pararem de imitar o Marvin. Eu disse que estava ficando deprimida.
Blanche's rebellion weblog. Beware...
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