Blanche's rebellion weblog. Beware...

18.2.09

A chuva, a entropia e os cacos de vidro

Olá.
Faz um tempão, né?

Pelo menos não faz mais de ano... Vou me esforçar para não ficar mais tantos meses sem escrever.

Estou aqui para contar mais um episódio clássico da minha vida.

Era uma vez eu, na quinta-feira passada.

Às quintas-feiras eu faço Chi-Kung das 19h às 21h em ipanema. Isso significa que eu tenho que sair do trabalho às 17:30 para poder estar em Ipanema às 10, 20 para as 19h. Daí você pergunta “mas Blanche, por que você não sai 10, 20 min mais tarde??”

E eu respondo: “Por causa da lei universal da entropia do trânsito.” Ela é muito simples. O tempo que você leva para chegar em algum lugar aumenta exponencialmente de acordo com quão tarde você sai. Assim, se eu saio às 17:30 ou 17:40, eu chego em ipanema às 18:20 ou 18:30, ando até a academia e estou lá umas 20 pras 19h. Se eu saio 17:50, pego um engarrafamento monstro, desabamento de barranco, caminhão da comlurb tombado, arrastão no túnel, enchente, furacão e a revolução comunista dos pivetes malabaristas de rua e chego lá às 19:30. Simples assim.

Quinta-feira passada foi um dia em que eu passei o crachá às exatas 17:55. Para melhorar meu dia, não estava chovendo. O que estava acontecendo era a reedição sesquicentenária comemorativa do dilúvio de 40 dias, e eu juro que vi a Arca de Noé passar por mim na Avenida das Américas.

Lá fui eu, com o meu humilde guarda-chuvinha atravessar a rua. Cheguei à conclusão que o vento que me assolava devia urgentemente procurar um psicólogo, porque ele estava na fase adolescente de se revoltar contra as leis da física. Ele estava muito concentrado, naquele momento, em fazer a chuva cair de baixo para cima, tornando o meu guarda-chuvinha totalmente inútil e bastante inconveniente em sua síndrome de Mary Poppins.

Atravessei lutando contra o guarda-chuva, fugindo das poças e segurando a minha calça jeans encharcada (que afrouxou e agora está larguinha) para não cair. Fui, feliz como um pitt-bull que tomou vacina, esperar o ônibus para ipanema.

É claro que, no dia que está fazendo um calor de 80ºC e não tem uma sobra para você ficar, só passam ônibus lotados e sem ar-condicionado. Por uma óbvia analogia, no dia que está chovendo aos cântaros, você está encharcada até os ossos e seu guarda-chuva virou uma massa molhada disforme, qual é o ônibus que vai passar? Um com o ar-condicionado mais gelado da paróquia, é claro.

Peguei o ônibus, sentei do lado de um velho molhado e mau-humorado, e fiquei tiritando de frio. As pessoas podem me chamar de tudo, menos de burra, e eu sabia que aquela seria uma longa viagem. Peguei o mp3 player e comecei a ouvir música, tentando não pensar em como ia chegar atrasada.

Quando chegamos em São Conrado, aconteceu o que eu temia: nada andava. Não havia santo, diabo, macumbeira ou evangélico tagarela que fizesse o ônibus andar. E eu morrendo de f-f-fr-frio e ouvindo Boyce Avenue alto o suficiente para não conseguir pensar em outra coisa.

Resolvi tomar uma atitude muito sábia: ignorei. Abstraí completamente o relógio para não comer os dedos (eu não tenho mais unhas para roer), e esperei, ouvindo música.

Muito.... tempo... depois...

Em ipanema, saltei e vi que eram 19:28. Perdi todo o aquecimento. Merda. Tentei atravessar a rua. Minha calça me lembrou que ela ainda queria ir pra casa se secar, e estava tentando fazê-lo a despeito de eu direcionar o resto do meu corpo para a academia. Segurei a calça, puxei pra cima e vamos lá.

Atravessei a rua, fazendo schlop-schlop. Pensei “pelo menos eu estou de sandália, vai ser fácil de secar depois”. Eu odeio ficar com sapato molhado, fazendo squish. Se é pra molhar o pé, que dê pra secar depois.

Fui correndo pela rua. Eu, a mochila, o casaco, o guarda-chuva, a calça e a sandália, tudo encharcado. Lembrei que eu tinha que passar no banco para pagar a mensalidade do Chi-Kung e, depois de um protesto bastante contundente do meu estômago, decidi que eu teria que comer antes de ir para a aula, sob o risco de não sobreviver a ela sem cair no chão. Atravessei a rua e, ao chegar do outro lado, senti uma pontada na sola do pé.

Mas hein?

Pisei de novo. A pontada continuava lá. Parei no meio da chuva, dobrei a perna e botei a mão livre (a outra segurava o guarda-chuva) no pé. Senti uma coisa dura e tentei puxar. Meus dedos vieram sozinhos, com uma ardência muito aguda. Olhei bem para eles. Estavam ardendo, mas não parecia haver nada de errado. Tentei pisar de novo. Ai! Dessa vez doeu. Parei numa banca de jornal, botei a mão de novo e virei o pé para olhar. Taráááá!! Tinha um caco de vidro bem enfiado no meu pé. Ô porra. Olhei para a minha mão. As partes dos dedos que tinham ardido estavam agora sangrando loucamente, aquele sangue vermelho vivo, escorrendo junto com a água. Respirei fundo, meti a mão no caco de novo, arranquei o maldito fora e fui mancando até o banco para tirar dinheiro.

Tirar dinheiro foi uma tarefa complicada. Fiz alguns malabarismos para não transformar o caixa eletrônico na cena a la Kill Bill onde alguém é assassinado a facadas contra o painel. Consegui afinal, e fui comer. Pedi um salgado+refresco na primeira lanchonete que vi e usei o fato de o copo ser de vidro e estar gelado para estancar um pouco o hiten mitsurugi da minha mão. Só depois disso eu fui pra aula, ainda mancando, ainda segurando a minha calça, ainda tentando impedir o guarda-chuva de alçar vôo e ainda com a mão sangrando, ainda que menos.

Eram 19:55 quando eu entrei na aula. :p

2 comentários:

Romulo A Baptista disse...

Caraca.. até a parte do caco de vidro.. eu estava me escangalhando de rir.. mas depois do ocorrido.. não teve mais graça.

Ainda bem que vc deve estar melhor.

Unknown disse...

Sensacional !!!
Apesar de trágico !!!

Veja pela seguinte visão... Se isso e tudo o mais for uma história tragicômica real (e irritantemente comum pra vc, acredito eu), isso quer dizer que VOCÊ é a protagonista do mundo !!!

;)


Minha palavra secreta foi "sainable" (?)