Blanche's rebellion weblog. Beware...

11.8.05

Ângela Lehve... continuação....


Ângela sentiu alguém pegá-la no colo, e depois colocá-la em uma cadeira.

- Pode deixar que daqui eu me viro - disse a voz cansada do Dr. Moura.

A cadeira começou a deslizar. Alguém tinha retirado as algemas dos seus pulsos, mas mesmo que ela quisesse, não conseguiria fugir, pois o estimulante ainda estava abrindo caminho dentro do torpor nas suas veias. Ela poderia tirar a venda, mas preferiu esperar um momento mais oportuno para começar a oferecer resistência, então, disfarçadamente, fingiu coçar o olho, e subiu um pouco a venda para pelo menos ter uma idéia do caminho que estavam seguindo.

- Ah, minha filha, não precisa espiar... Pode tirar a venda.

Ela tirou a venda, amaldiçoando sua idéia estúpida e olhou pela primeira vez para o Dr. Moura.

- Eu imaginava o senhor mais alto. – Ela também o imaginara menos careca, mas preferiu omitir esta informação. Dr. Moura deu um sorriso.
- Você lembra muito a sua mãe. Ela era muito bonita.
- Obrigada. O que aconteceu? Você disse alguma coisa sobre eles... é a Klabbe?
- É, a Klabbe não existe mais. Mas digamos que os superiores deles nos fizeram uma visitinha...
- Eles também invadiram o prédio?
- Hehe. Sim. É um record, eu acho. Dois alarmes no mesmo dia. O Alcebíades até que se divertiu bastante, mas acabou se machucando. Se aconteceu o que eu estou pensando, ele deve demorar algum tempo para se recuperar.

Eles chegaram a uma sala. A mente de Ângela rugia com a velocidade dos pensamentos. Invadiram a AIB? Foi porque eu vim? Os dirigentes da Klabbe eram uns crápulas, mas... será que esse Dr. Moura é confiável? Será que ele vai querer me prender aqui para me estudar?
A sala era enorme, em formato circular, e tinha estantes e mais estantes com coisas que pareciam ser fitas de vídeo cobrindo as paredes. Na verdade, uma pessoa desavisada poderia muito bem acreditar que esta sala era na verdade a videoteca mais high-tech que se poderia imaginar*.

- Muito bem. Eu acho que você já deve estar em condições de se levantar. Antes que você pense em fugir, quero deixar claro que eu não tenho a menor intenção de manter você presa aqui. Depois que eu acabar de contar algumas coisas que eu acredito que você deve saber, você é livre para escolher passar por um processo de memocisão e...
- Memocisão?
- Sim. É o processo de corte e extermínio de uma determinada memória. No caso nós iremos apagar tudo o que você sabe e viu desde que entrou aqui. Fique tranqüila, é um processo seguro** e você não sofrerá nenhum dano.
- E qual é a minha outra opção?
- Bem... antes disso deixe-me expor alguns fatos.
Ângela olhava pelos cantos, e tivera por duas vezes a impressão de que algo na sala se movia. Era muito difícil enxergar qualquer coisa, porque a luz estava apenas sobre Dr. Moura e ela, mas parecia que algo nas paredes...

- Se você me permite, vamos começar com alguns arquivos de vídeo. Romi, por favor...

Na escuridão surgiu um vulto que nem de longe tinha formato humano. O vulto entrou no feixe de luz e Ângela pôde ver que aquilo parecia mais um conjunto de bolas com patas de aranha. Sua cor metálica era fluida, semi-opaca.

- É um robô?
- Não exatamente. O que eu quero deixar claro para você, Ângela, é que a AIB tem como principal objetivo proteger as pessoas. Ao final de tudo que eu tenho que contar para você, eu espero que você perceba o quanto você é abençoada, e como pode fazer diferença além de apenas entregar pacotes com uma rapidez excepcional. Romi, você pode acessar por favor as nossas informações sobre o projeto Zéfiro da Gutierrez?

Ângela olhou para o Dr. Moura, que respondeu com um sorriso. Logo à sua frente surgiu uma tela semitransparente com alguns símbolos estranhos. Romi tocou alguns dos símbolos e um homem apareceu na tela.

- Agente Humberto Figueira, relatório 258-3 sobre a Gutierrez Corp. Projeto Zéfiro. As últimas cobaias us...
- Não, Romi, eu quero algo mais antigo.

O tal agente Figueira foi interrompido. Os símbolos voltaram à tela. Romi tocou um outro símbolo, mais à direita. Outro homem apareceu na tela.

- Agente Jonas Villas-Boas, relatório 132...
- Mais antigo.

O processo se repetiu. Um terceiro homem apareceu na tela. Ângela olhou para a tela, estupefata.

- Agente Aroldo Moura, relatório 001-1 sobre a Gutierrez Corp. Projeto Zéfiro.

Ela olhou de volta para o Dr. Moura. Ele parecia uns 10 anos mais novo na tela, mas seus olhos estavam inchados e com olheiras profundas, piscando muito.

- Há aproximadamente dez anos os pesquisadores Rodolfo e Letícia Lehve vinham fazendo experiências científicas acerca da viabilização do uso do teletransporte, a princípio com o objetivo da utilização da tecnologia em indivíduos da espécie humana. Há uma semana ambos foram encontrados mortos a tiros em sua residência. Há sinais de arrombamento, mas foi relatado que nenhuma das câmeras instaladas no complexo residencial da Klabbe, subsidiária da Gutierrez, ou na entrada da própria casa estava funcionando no momento. A filha do casal, Ângela Lehve, escapou à cena e se dirigiu ao laboratório onde os Lehve trabalhavam, e há relatos de que a criança se expôs, de livre vontade, ao dispositivo de teletransporte. Não há ainda indicativos claros dos efeitos do dispositivo sobre a menina, mas há um relato ainda não confirmado de que ela adquiriu poder de teletransporte quando sob tensão. Tendo travado contato com as vítimas do assassinato em questão há alguns anos, este agente têm razões para presumir que o assassinato foi encenado...

- Dr. Mouraaaaaa!!!!!!! Dr. Mouraaaaa!!!

Um menino entrou esbaforido pela porta. Dr. Moura deu um leve aceno de cabeça, e com um toque de Romi, a imagem na tela sumiu. Ângela entrou em desespero.

- Mas...
- Diga, moleque. – e Dr. Moura lançou a Ângela um olhar reprovador, que claramente dizia “Agora não!”.
- Tem uma bomba, o tal Daniel plantou uma bomba!
- Como assim, uma bomba?
- Eu não consigo ver, mas eu sei onde está. Eu senti o cheiro.
- Ângela, para a sua própria segurança, fique aqui. Romi lhe fará compa...
- Não.

Dr. Moura levantou uma sobrancelha.

- Eu não vou deixar o senhor longe da minha vista nem por um minuto. Quero que me
explique direitinho o que está...

BUM!

- Viu???

ALARME - ALARME - ALARME - ALARME - ALARME - ALARME - ALARME

- Ok. Vamos.

E os três saem correndo, enquanto Romi desliga o programa e a tela some novamente.





* E na verdade era. O Dr. Moura também era um cinéfilo incurável, e nada como os telões e o som surround da Agência para proporcionar “sempre uma boa diversão”.

** Processo seguro agora, depois de várias experiências mal-sucedidas, que resultaram em produtos absurdos, passando por um prefeito que desandou a fazer maluquices pela cidade, a namorada de um jogador de futebol que esqueceu todas as palavras do vocabulário com a exceção de quê?, até um agente que se convenceu que era um pato. O caso do pato em específico deu trabalho, uma vez que o prefeito parecia ser maluco mesmo e de algum forma isso era normal, enquanto a namorada do jogador de futebol descobriu que falar não era uma das prioridades da sua profissão. Já o pato ficava berrando QUAAAAC dentro da Agência e bicando as pessoas, e isso só se resolveu quando deslocaram o agente para um lago. Infelizmente ele atraiu amigos e a população de patos aumentou consideravelmente no lago em questão. O agente está desaparecido desde o surgimento de caçadores na região, atraídos pela abundância de animais que o lago oferecia, e é portanto tido como morto.

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