Blanche's rebellion weblog. Beware...

19.9.04

Ângela Lehve

Ela era uma menina-moleque. Sempre fora assim. Mesmo quando era muito pequena, na companhia de seus pais, havia um senso comum de que Ângela lhes traria seus primeiros fios brancos.
Mas não haveria nenhum fio branco.
Seus pais eram ambos cientistas. Conheceram-se no laboratório, pesquisando algo sobre como fótons poderiam desaparecer em um lugar e aparecer em outro se atingidos por um determinado raio. Apaixonaram-se e resolveram se casar quando descobriram uma gravidez um tanto imprevista.
O casal foi muito feliz por alguns breves anos. A despeito do colégio semi-interno, Ângela acompanhava-os ao laboratório regularmente, e a máquina que produzia aquele raio específico sempre lhe causou fascínio.
Houve um domingo no qual o casal decidiu não ir ao laboratório. A máquina estava programada para produzir o raio no horário rotineiro, e o computador tomaria nota dos dados para a pesquisa. A família teve um perfeito dia... familiar. Mas a noite caiu, e é no cair da noite que agem as criaturas vis. O apartamento foi invadido por assaltantes, Ângela se escondeu debaixo de uma mesa, mas seus pais ficaram à mercê dos invasores, e tentaram reagir. Foram ambos mortos sem misericórdia com tiros à queima-roupa.

- Dizem que ela assistiu tudo.
- Mas ela só tem oito anos! Coitada da menina...
- Ela não fala nada?
- Não. Muda desde que encontraram, dentro da câmara de fótons.
- Você sabe o que ela estava fazendo lá?
- Não. Vai ver queria ficar sozinha. Será que o raio machucou ela?
- Não parece. Estava programado, é?
- Pras sete e trinta e cinco da noite.
- Ela sabia?
- Acho que não.

Ângela foi encaminhada para tratamento psiquiátrico, mas depois de alguns anos o laboratório pressionou o médico para que ele dissesse que ela estava apta a uma vida normal, de forma que eles não mais se responsabilizaram pelo destino da órfã. E ela cresceu com parentes distantes, ávida por sua independência o quanto antes. Era necessário que ela morasse sozinha, pois seus pesadelos, ilusões e desmaios continuavam incomodando, e freqüentemente faziam-na aparecer em lugares estranhos da casa. Seus tios até chegaram a pesquisar sonambulismo, mas algo os fez parar quando Ângela apareceu dentro de um quarto trancado, para o qual ela não tinha a chave. Os olhares eram tão penetrantes que em um mês ela conseguiu um sub-emprego e saiu de casa. No entanto, sua índole não permitia receber ordens estúpidas durante muito tempo, então ela foi migrando de sub-emprego a sub-emprego, até encontrar aquele do qual nunca seria demitida: Ângela era agora uma courier.

- Incrível. Saiu há meia hora, e está voltando.
- Mas a entrega não era do outro lado da cidade?
- As três entregas, sim.


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